Alguns poderiam ter ilusões quanto à fraca qualidade da nossa educação. Contudo, lá pela década de 60, começaram a aparecer os primeiros testes, mostrando o quão ruim ela era. A curiosidade inevitável passou a ser: Por que seriam tão lastimáveis as nossas escolas?
Os economistas se põem a campo para trabalhar estatisticamente os dados dos testes de rendimento escolar. Quem sabe desvendariam alguns segredos do nosso fracasso? Desde então, centenas de estudos se acumularam mostrando resultados bastante parecidos. A partir desses estudos (chamados de funções de produção, um nome do agrado dos economistas, mas que dá erisipela nos pedagogos), começamos a separar grandes categorias de variáveis explicativas.
Falamos daquelas medidas que captam as características pessoais do aluno (como inteligência e energia). Falamos também do seu meio socioeconômico, em que a educação, a riqueza e a ocupação dos pais tem peso expressivo, pois criam o caldo da cultura familiar, os valores e as formas de interação lingüística. De outro lado, está a escola e seus componentes: os professores, os administradores, os materiais, as formas de ensinar e de lidar com os alunos.
As pesquisas mostraram que os fatores mencionados acima, de fato, são os mais fortes determinantes do sucesso ou do fracasso escolar. Mostraram também os pesos relativos de cada um desses conjuntos. Embora os resultados não sejam exatamente iguais, de pesquisa à pesquisa, os fatores escolares têm sempre um peso menor. Tipicamente, daquela fração que estatisticamente explica as diferenças de rendimento escolar, entre um terço e um quarto cabe à escola. Ou seja, o resto, amplamente superior, cabe aos fatores pessoais e familiares.
Esse resultado se mostrou muito frustrante para pesquisadores e para aqueles interessados em melhorar a educação. A escola, em que podemos mexer e melhorar, tem um peso pequeno na determinação dos resultados. A família, e mais os elementos genéticos, têm um peso amplamente maior.
Não se pode mudar a genética. Nascemos com um potencial de inteligência, não mensurável, e ao chegar aos 5 ou 6 anos, já ocorreu o brutal impacto das diferenças de estimulação verbal e intelectual das famílias. E o que é pior, o alcance das intervenções que agentes externos podem fazer na família são muito limitados. Por exemplo, a educação dos pais é um dos fatores mais dramaticamente poderosos para determinar o sucesso escolar dos filhos. O mesmoacontece com sua renda. Mas nenhum dos dois podem ser modificados por políticas públicas.
A escola pode ser melhorada, mas seu tradicionalismo e inércia dificultam os aperfeiçoamentos. Há muitas linhas de ação, como melhorar o recrutamento e a formação dos professores, introduzir métodos didáticos de eficácia comprovada, escolher melhor os diretores e, por aí afora. A experiência mostra que tais táticas funcionam. Contudo, encontram sempre uma resistência espontânea da cultura escolar, além das lamentáveis barreiras ideológicas.
Certamente, a saúde dos alunos é um fator que afeta o rendimento escolar. Daí as preocupações em verificar acuidade visual e audição dos alunos. De fato, sabe-se que há uma fração de alunos de baixo rendimento que, na verdade, não têm problemas de Dislexia ou de ordem psicológica, mas deficiências de audição e visão.
Tradicionalmente, espera-se que algo como 3% da população escolar apresente problemas nessa linha, com um nível de gravidade que comprometa o aprendizado. Portanto, com exames simples e pouco dispendiosos, podemos identificar esses alunos e lidar com as terapias apropriadas para suas deficiências. Ou seja, de tudo que se pode fazer para consertar o nosso ensino, esses problemas de saúde são os que encontram uma resposta mais definitiva e uma intervenção menos dispendiosa. Mas afetam relativamente poucos.
Poucas intervenções são possíveis nas variáveis familiares. Muitas intervenções na escola são viáveis, mas são delicadas, caras e de lento impacto. As intervenções de saúde são fáceis e baratas, mas afetam uma proporção muito pequena da população-alvo.
Contudo, esse quadro começa a apresentar uma nova abertura. Descobrem-se problemas de visão, não detectados pelos testes convencionais de acuidade visual.
Esses testes antigos verificam se o paciente consegue ler letras colocadas a diferentes distâncias. Com ele, é possível identificar aqueles que precisam de lentes corretivas. Estamos aí, talvez, em faixas bem abaixo de 5%.
Acontece que a leitura não é de letras, uma a uma, mas do encadeamento delas em palavras e frases. Para que sejam lidas, dada a estreiteza do campo visual que consegue discriminar o tamanho das letras, o olho precisa se mover, acompanhando a seqüência de palavras. Mas são dois olhos que precisam se mover de forma sincronizada para fixar e registrar a imagem. Por conta de circuitos do sistema visual, que estão fora do globo ocular, há alguns para quem os dois olhos não conseguem se mover em perfeita sincronia. Isso dificulta a leitura, comprometendo a compreensão, tornando-a mais lenta, cansativa, difícil, por vezes, até mesmo, impossível depois das primeiras linhas.
Se for relativamente fácil identificar essa deficiência do sistema visual e se for possível uma intervenção para lidar com ela, estamos diante de uma nova abertura para melhorar o rendimento escolar. Felizmente, ambas as premissas tem uma resposta positiva.
Há aparelhos relativamente simples. Consistem em uma viseira com um instrumento que acompanha a movimentação ocular e mais um software apropriado para processar os dados captados . Em segundo lugar, descobriu-se que filtros bloqueando a transmissão de certas freqüências luminosas permitem corrigir a trajetória dos olhos obtendo melhor fixação e sincronização delas. Sendo assim, há terapias eficazes e que são pouco dispendiosas.
Portanto, esses achados científicos abrem uma nova fronteira, ao identificar e curar alunos cujas dificuldades de leitura estavam erroneamente identificadas. Se a incidência desses problemas fosse residual, seria um avanço importante para os poucos que sofrem desses desencontros nas trajetórias dos olhos. O que torna essa descoberta espantosa é a elevada incidência dessa síndrome. Esse talvez seja o dado mais precariamente medido nos dias de hoje. Ainda assim, estimativas muito preliminares sugerem que até 20% da população tem algum problema desse tipo.
A se confirmarem esses números, estamos diante de um déficit educacional que pode ser resolvido com medidas pouco dispendiosas e de impacto imediato. É difícil imaginar uma intervenção que tenha um impacto mais direto sobre o rendimento escolar de uma proporção muito significativa de alunos.
Quem está levantando essa lebre no Brasil e avançando muito rapidamente nas suas pesquisas é a equipe do Dr. Ricardo Guimarães. Graças a eles, parece que estamos no umbral de um salto muito significativo no que podemos fazer para melhorar a nossa educação. Em parceria com a UFMG, com financiamento do CNPq, estão sendo desenvolvidos aparelhos menos dispendiosos e mais eficientes para acompanhar a trajetória dos olhos. No lado da pesquisa, alguns municípios estão se voluntariando para uma aplicação universal nas escolas, permitindo a criação das bases de dados que responderão às nossas indagações. Há um futuro promissor e os órgão de financiamento público de pesquisa estão dispostos a apoiar programas nessa linha. Mas nesse momento, paremos um minuto para agradecer ao Dr. Ricardo Guimarães por ter se metido nesse assunto.
Prof. Cláudio M. Castro
Ph.D em Economia, escritor e pesquisador da área educacion
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